quarta-feira, 21 de setembro de 2016

bodas de chumbo

vai acordar
passar a mão na minha cabeça
no seu cabelo
não vai alisar minhas pernas
não vou tocar seu sexo
agora o assunto é sério
é do pescoço pra cima
que a gente se olha
não vou lhe amassar
com as mãos
é com as pontas dos dedos
que a gente se toca
e quem se toca?
ninguém se toca quando a
hora chega
mas a consciência vai se expandindo
aos poucos
e a gente vai caindo em si
como caem meus cabelos
quando desembaraçam no chuveiro
e você nem ligava
pros fios colados na parede
e agora liga
e eu nem ligava
pros tubos de shampoo vazios
e os restos do sabonete que
ninguém repunha
e agora ligo

enquanto nos decidimos
se não nos ligamos mais
se ainda dá pra ir juntos pra festa
como contar aos pais
enquanto passa a mão no meu cabelo
na sua cabeça
e a última poeira do
desejo
vai sumindo
pelas bordas da cama

sábado, 13 de agosto de 2016

lâmina

vez por outra, passando a mão pelos pelos crescentes do corpo, pensa que deveria tirá-los.
pensa o tempo inteiro
que deveria tirá-los. mas ainda assim passa a mão
e parece que sente um prazer delicado na aspereza ou mesmo um prazer indelicado por aqueles fios crescentes que
sempre voltam,
porque sempre voltam,
mesmo cortados, mesmo tirados fora, descartados,
sempre voltam.

e ela consegue enxergar nesse ato uma redenção
- pelo erro da lâmina que os puseram ralo abaixo -
consegue enxergar uma luta selvagem
pra perfurar os poros e cada vez despontar sabendo que,
mesmo assim,
serão despojados,
mesmo assim,
escorrerão com a água
e perderão seu habitat natural.

e por isso,
por esse ato de coragem,
é que ela passa as mãos
pelos pelos,
e pensa que deveria tirá-los,
e como deveria tirá-los

se brevemente ou cruel

segunda-feira, 23 de maio de 2016

la petite mort/2

momento crítico em que trocamos de pele e essa se torna movediça, permitindo que o outro afunde na gente e forme uma só massa corpórea.

la petite mort

o líquido vital
já nos escorre entre
os dedos

num segundo
você me desperta

flutuam os corpos

viramos anjos
barrocos,
abstratos

obras de arte
experimentais.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

sonolências

Éramos pessoas tão aleatórias. Fim de tarde, você soprava pedaços de algodão para eu ir buscar no ar com os braços esticados, nos meus voos noturnos. Mas eles se prendiam aos fios de cabelo, fios de desejo espalhados pelos nós. Desnivelada, caía do voo, algodão pendendo nos pés, coração luminoso: “você vive no ar, tem que pôr as costelas na cama”.

Descida,
mas nunca inteiramente carne. Nos olhávamos, éramos dois pedaços de algodão quase intocáveis, comprimindo-se sobre os lençóis. Úmidos, algodões atordoados. Éramos duas frações de segundo que se desmanchariam logo em seguida. Feito açúcar. Algodão na boca – desmanchado – doçuras do passado.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

cardíacos

a tua rua é
uma artéria entupida
que sempre lhe faz
perder a novela das seis

pós-moderno

na toca
do homem-caverna
não tem flor
que se cheire

tudo vira
presa

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

ioiô

amor parcelado
se paga
com juros?

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

sigoísta

si
não
tem

de
mi?

si na ciudad

si passeia pela cidade sibilando
coisas de si mesmo
enquanto isso a cidade também
pensa sobre si
- se deveria mudar, afundar umas
ruas, perfurar uns poços -

nessa cidade
é cada um por si
mas si não é
por ninguém.

quando

aqui
agora
nesse ano instante momento segundo
ela sabia que não estava
simplesmente não estava

Vasculhou as gavetas
foi ver se se encontrava
no ano passado
- nada
Consultou a vidente:
talvez só ano que vem

sábado, 25 de julho de 2015

filtro

meu coração
é uma esponja
com água suja

quinta-feira, 16 de julho de 2015

passou


o agora disse pro depois:
agora já era
e foi

tudo


tudo
tem
a ver
com
tato

trégua
tapa
e tesão

sexta-feira, 15 de maio de 2015

o arrepio


às vezes vem,
de repente,
um cheiro de cabelo molhado
no colo de uma manhã macia
~ e uma lembrança fluida
me percorre a nuca ~
até desaparecer, volátil
no suave vapor do dia.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

a apatia


hoje nem soco no estômago nem borboletas -
só a fome sem vontade de comer.